DEMÔNIOS DA GAROA

Você sabia que o Demônio nasceu na Mooca ? Ou melhor, os Demônios.

Não, não se assuste! Estamos nos referindo ao “Demônios da Garoa”, o mais paulista dos conjuntos vocais.

Por volta de 1943, um grupo de rapazotes, na faixa dos 14, 15 anos, entre eles Arnaldo Rosa, Bruno Michelucci e os irmãos Antonio e Benedito Espanha se reuniam na pequena fábrica de sapatos do pai de Arnaldo, a “Pisar Leve”, localizada na rua dos Trilhos quase na esquina da rua Visconde de Laguna e ali faziam seus arranjos vocais e instrumentais imitando os grandes conjuntos da época, dentre eles os “Quatro Ases e um Coringa” e os “Anjos do Inferno” . Sob o nome de “Grupo do Luar”, esse meninos apresentavam-se em clubes, animavam as festinhas de amigos, faziam serenatas e, como eles dizem, se fosse o caso tocavam até em velório, tudo isso em troca apenas de aplausos.

A fama dos garotos começou a se propagar pelo bairro da Mooca e vizinhança, até que, em março de 1943 , incentivados pelos amigos e já tendo segurança no seu talento, criaram coragem para se inscrever no programa de calouros denominado “A Hora da Bomba”, comandado por J. Antonio D’Avila, na Rádio Bandeirantes.
Nesse momento, o grupo recebe mais dois componentes: Antonio Gomes Neto, o Toninho e Artur Bernardo.

Sob aplausos, entram no palco os 6 garotos e ao tocarem e cantarem encantam o auditório, ganhando o primeiro prêmio: um contrato para duas apresentações semanais nas Emissoras Unidas ( Bandeirantes, Record, Pan-Americana e São Paulo).

Dentre os muitos fãs conquistados, estava Vicente Leporace, um famoso radialista da época (e de sempre), o qual, todavia, não gostou do nome do conjunto e resolveu fazer uma consulta popular para um novo nome a ser dado aos “endiabrados meninos do Grupo do Luar”.

Foram centenas de sugestões até que, numa das cartas surgiu o nome “Demônios da Garoa” . O ouvinte explicou: Demônios por causa do “endiabrados” da chamada feita pelo Leporace e da Garoa por serem paulistanos e São Paulo era conhecida como a Terra da Garoa.

A casa onde tudo começou…
Arquivo: Portal da Mooca
Uma das primeiras formações do grupo
Arquivo: Demônios da Garoa

Em 1949, já com um considerável prestígio, o conjunto passa a ser muito requisitado para shows, viagens e outros compromissos, o que acarreta na saída de 3 dos seus componentes por incompatibilidade com os horários de seus empregos: os irmãos Espanha e Bruno Michelucci, sendo substituídos por Francisco Paulo Galo e por Cláudio Rosa, irmão de Arnaldo.

Ainda em 1949 fizeram o arranjo de “Muié Rendeira” e a interpretaram junto com Homero Marques na trilha sonora do filme “O Cangaceiro”, de Lima Barreto.

Mas eles não estavam satisfeitos, pois apenas faziam parte de um conjunto igual a tantos outros. Não possuíam nada que os diferenciasse dos demais. Não possuíam um estilo próprio, marcante. Mas, nascidos em São Paulo, a maior parte deles na Mooca, com descendência italiana, tinham um português com forte sotaque: um português “macarrônico”.

Observando os engraxates da Praça Clóvis e Praça da Sé, notaram que eles “queriam falar difícil”, mas não conseguiam disfarçar o “malandrês” e os erros de concordância e de pronúncia.

Da união desses dois elementos: o português “macarrônico” deles com o linguajar dos engraxates, aliado, ainda, ao debochado senso de humor inerente a cada um dos componentes do grupo é que surgiu o estilo marcante e inconfundível do “Demônios da Garoa”.

O mooquense Arnaldo Rosa, que fez parte do conjunto até sua morte, ocorrida no ano de 2000, descendente de italianos, foi o que melhor se adaptou ao sotaque. Com a morte do pai, Sérgio, que faz parte do grupo atual, herdou essa “vocação”.

Mas, além do linguajar, resolveram inovar ainda mais : até então a introdução da música, julgada por eles como de suma importância, caía sempre no lugar comum do famoso “laiá laiá”.

Com sua criatividade e irreverência, criaram os “cãescãescães”, os “cascaringundum” e etc., outra marca registrada que faz tanto sucesso quanto às músicas.

Mas não pense que essas inovações foram imediatamente aceitas. Houve grande dificuldade de encontrar gravadora que tivesse a coragem de aceitar gravar o disco, devido aos erros na língua portuguesa.

Demônios na Paes de Barros
Arquivo: Demônios da Garoa
Mais uma formação do grupo
Arquivo: Demônios da Garoa

Mais ou menos nessa mesma época, travaram conhecimento com o grande compositor paulista Adoniran Barbosa, nos corredores da radio Record, onde ficavam ouvindo as suas músicas e passaram a interpretá-las adotando o novo estilo do linguajar. No começo, Adoniran não gostava muito desse estilo e vivia reclamando, mas foi obrigado a se curvar diante da grande aceitação popular.

Daí para a frente foi só sucesso, estourando na venda de discos que, se fosse nos dias atuais representaria certamente uma marca dificilmente igualada. Mas, por incrível que pareça, o sucesso a nível nacional teve origem no Rio de Janeiro ao se apresentarem no Programa do Chacrinha, a convite do polemico apresentador que quis mostrar para o Brasil “quem eram os caras que cantavam Saudosa Maloca”, uma vez que o público cantava suas músicas mas nunca os tinha visto.

Aqui um parênteses para uma curiosidade : segundo o que nos foi revelado pelo Toninho, o mais antigo componente do Grupo, o Samba do Arnesto (aquele que mora no Brás) foi composto aqui na Mooca. A história é a seguinte :

O “Demônios” ia gravar o samba “Saudosa Maloca” em disco 78 rotações, mas não tinha ainda nenhuma música para fazer parte do outro lado da “bolacha”, como era apelidado esse tipo de disco. Foi quando, com seu jeito peculiar, o Adoniram lhes disse : “eu tenho um amigo que tem um samba em parceria comigo e eu tenho certeza que vocês vão gostar. É o Nicola que trabalha na Continental, na Mooca”. Ocorre que esse Nicola pertencia a uma sociedade de autores e o Adoniran a outra e, nessa época, o compositor pertencente a uma sociedade não poderia ser parceiro de alguém que pertencesse a outra. A solução encontrada foi a de o nome do Nicola ser substituído pelo pseudônimo Alocin (Nicola ao contrário) . Desnecessário dizer que o Samba do Arnesto, de autoria de Alocin e Adoniran e com a interpretação do Demônios da Garoa, se tornou um fabuloso e eterno sucesso.

Adoniran Barbosa
Antonio Gomes Neto – Toninho, o remanescente da formação original
Arquivo: Portal da Mooca

No início da década de 50, por dois anos seguidos o “Demônios da Garoa” teve a sua música considerada a campeã do carnaval de São Paulo : em 1951 com o samba “Malvina”, de Adoniran Barbosa e em 1952 com “Joga a Chave”, de Osvaldo Molles. Mas, desculpem o nosso orgulho de paulista, o maior êxito do grupo foi ter a música “Trem das Onze”, (talvez o seu maior sucesso) conquistado, em 1964, o primeiro prêmio de músicas de Carnaval no IV Centenário do Rio de Janeiro. Um samba paulista. E justo na terra do melhor carnaval do mundo.

Hoje, o conjunto está preste a completar 60 anos de ininterrupta carreira, sendo alvo de menção no Guiness Book of Records (o livro dos recordes) como o conjunto mais antigo do mundo ainda em atividade. E o sucesso continua : a agenda vive repleta de shows por todo o Brasil e exterior. E como diz Sérgio Rosa : “é um grande orgulho ouvir o público dos mais variados estados e sotaques cantando com o sotaque paulistano, o sotaque da Mooca”.

Muitos fatos interessantíssimos e curiosos ocorrem durante essas excursões. Por exemplo: em um show programado para uma cidadezinha no Amazonas, no horário marcado para o seu início não havia sequer uma pessoa na platéia, ou melhor, somente dois garotinhos embaixo do palco. Perguntaram para eles e ficaram sabendo o motivo:

Diploma do Guinness Book
No início da década de 50, por dois anos seguidos o “Demônios da Garoa” teve a sua música considerada a campeã do carnaval de São Paulo : em 1951 com o samba “Malvina”, de Adoniran Barbosa e em 1952 com “Joga a Chave”, de Osvaldo Molles. Mas, desculpem o nosso orgulho de paulista, o maior êxito do grupo foi ter a música “Trem das Onze”, (talvez o seu maior sucesso) conquistado, em 1964, o primeiro prêmio de músicas de Carnaval no IV Centenário do Rio de Janeiro. Um samba paulista. E justo na terra do melhor carnaval do mundo.

Hoje, o conjunto está preste a completar 60 anos de ininterrupta carreira, sendo alvo de menção no Guiness Book of Records (o livro dos recordes) como o conjunto mais antigo do mundo ainda em atividade. E o sucesso continua : a agenda vive repleta de shows por todo o Brasil e exterior. E como diz Sérgio Rosa : “é um grande orgulho ouvir o público dos mais variados estados e sotaques cantando com o sotaque paulistano, o sotaque da Mooca”.

Muitos fatos interessantíssimos e curiosos ocorrem durante essas excursões. Por exemplo: em um show programado para uma cidadezinha no Amazonas, no horário marcado para o seu início não havia sequer uma pessoa na platéia, ou melhor, somente dois garotinhos embaixo do palco. Perguntaram para eles e ficaram sabendo o motivo:

a cidadezinha tinha somente habitantes evangélicos que “não iriam ver demônio” nenhum. O prefeito logo entrou em ação: com um carro equipado com alto-falantes rodou pela cidade convidando o povo: “Venham, venham todos ver os Anjos da Garoa”. Logo o local da apresentação ficou cheio de espectadores. Quase a mesma coisa ocorreu numa excursão na Argentina quando um padre local ficou desesperado com o nome do conjunto e de tanto ele atormentar, os brasileiros tiveram que ser anunciados como “Angels Del Garoa”.

Diploma do Guinness Book
Um dos muitos shows do Demônios da Garoa
Arquivo: Demônios da Garoa

A composição atual do “Demônios da Garoa” é a seguinte : Antonio Gomes Neto ( Toninho) – com 74 anos de idade é o único remanescente da formação inicial – violão tenor ; Sérgio Rosa (Serginho) –- nascido e ainda morador da Mooca – pandeiro; Roberto Barbosa (Canhotinho) – cavaquinho; Ventura Ramirez – violão sete cordas; Sydnei Cláudio Thomassi (Simbad) – violão seis cordas e Izael Caldeira da Silva – timba . Entretanto não podemos deixar de citar outros grandes artistas que fizeram parte do “Demônios”, durante pequenos ou grandes períodos, ao longo destes quase 60 anos : Francisco Paulo Galo, Artur Bernardo, Claudio Rosa, Narcizo Trivelatto, Oswaldo Barros (Oswaldinho da Cuíca), Ivan Pires e Marco Antonio Bernardo.

Em tempo : por favor, não se precipite chamando os mooquenses do “Demônios da Garoa” de filhos ingratos.

Além de terem instalado sua sede e estúdio na Mooca, na Rua Joviniano Brandão há, ainda, dentre os seus sucessos uma música, também de autoria do Adoniran, que fala da Mooca. Chama-se “Abrigo de Vagabundo”.

Composição atual
Em pé:
Simbad, Ventura, Canhotinho
Sentados:
Isael, Toninho e Sergio Rosa
Grupo “Demônios da Garoa” durante entrevista exclusiva ao Portal da Mooca
Arquivo: Portal da Mooca

* Entrevista concedida em dezembro/2002
* Nossos agradecimentos a Odilon Mario Cardoso, empresário do Demônios da Garoa e ao Gil Melo do Foto Imperial pela confecção do video clipe