Milton Rodrigues

Milton, família e amigos
Arquivo: Milton Rodrigues Alves

Pelo menos no que diz respeito às suas origens, Milton Rodrigues Alves é um típico mooquense: é descendente de italianos da região Toscana por parte das duas “nonas”, e de português trasmontano e espanhol granadino por parte dos avôs. Mas, como ele próprio diz, a grande influência na casa era da avó materna, que acabou contagiando todos com seu jeito italiano. Nascido na Rua Siqueira Bueno, na casa onde ainda hoje mantém a sua empresa – a Casa Paulistana de Comunicação -, Milton nunca abandonou a Mooca.

Nos anos 50, o sonho de muito operário era ter um doutor na família. Milton bem que tentou entrar em Medicina, coisa que já era muito difícil naquela época. Acabou cursando Biologia, mas, pouco tempo depois, trocou a universidade por sua verdadeira vocação: o desenho.

Eram os loucos anos 60 e Milton foi tentar ganhar vida como ilustrador. Conseguiu um emprego na Folha de São Paulo, onde trabalhou como past-up por cerca de dez meses. Um belo dia, reconhecendo o seu talento, o renomado jornalista Giba Um lhe deu um conselho: “Olha, pede a conta e vai embora, porque isto aqui não vai dar em nada pra você”. Dito e feito: Milton foi trabalhar na Abril Cultural, que vivia a sua fase áurea, acolhendo em seu quadro de profissionais inúmeros intelectuais perseguidos pela ditadura. Milton diz ter sido uma felicidade acompanhar de perto toda essa revolução cultural na Abril. A oportunidade de trabalhar com pessoas brilhantes lhe possibilitou adquirir uma experiência importantíssima para a sua carreira e para a sua própria vida.

Capa do livro “Casas Paulistanas”
Uma das fotos constantes do livro “Casas Paulistanas”

Impetuoso, o jovem mooquense acreditava poder alçar vôos mais altos. Desligou-se da Abril e foi trabalhar como free-lancer. Pouco tempo depois ingressou na Editora Ática. Em seguida, foi convidado a voltar para a Abril, desta vez como ilustrador. Ali fez uma belíssima carreira, recheada de inúmeros prêmios, conquistando o posto de Editor de Arte da mais importante revista do país, a Veja. Como se isso não bastasse, sua sede por desafios fez com que se transferisse para a TV Abril, como Diretor de Arte, mesmo cargo que ocupou de volta ‘a Folha, onde tudo havia começado.

Mais experiente e ainda inquieto, Milton percebeu que era hora de dar seu vôo solo. Resolveu criar a sua própria empresa, especializada em criação e produção editorial. Na Mooca, é claro! E havia mais um bom motivo para permanecer no bairro: inúmeras vezes ele havia percebido certo preconceito quando dizia onde morava. “Na Mooca, é?”, indagava incrédulo o interlocutor, como se fosse impossível ao bairro operário, à periferia, produzir um profissional das artes.

Ao invés de indignação, o comentário jocoso só reforçou seu amor pelo bairro, a ponto de impulsioná-lo a fazer algo que deixasse registrada essa paixão: um livro, o “Casas Paulistanas” editado em 1998, que aborda a arquitetura do imigrante operário, característica da Mooca. A motivação é ele quem explica:

Milton Rodrigues Alves durante entrevista para o Portal da Mooca
Arquivo: Portal da Mooca

“Muitas vezes, voltando de algum lugar, lá pelas quatro da tarde, eu parava o carro na Rua Sapucaia. É que “às quatro da tarde” na Sapucaia é mais tarde e mais quatro da tarde do que em qualquer outro lugar. Ali é tudo quieto, não tem movimento e, apesar de você estar tão perto do centro da cidade, o som do silêncio ali é de uma paz, é como uma viagem no tempo. Na verdade, parado ali eu voltava um pouco para a minha infância. E isso me dava certo alívio, a sensação de que eu já havia chegado. Era só olhar ao redor para ver as casinhas que me são tão familiares.

Quanto mais eu racionalizava essa sensação, no decorrer dos anos, mais foi ficando claro que aquele cenário tinha valor não só para mim, mas para muito mais gente. Percebi que eu, como artista, tinha por obrigação – até por conta da formação que tive – traduzir esse sentimento para que outros também pudessem ver. Na verdade, o livro tem um só objetivo: ensinar a olhar. O comum é passar pelas ruas e achar tudo banal. Você olha, mas não nota, não sabe o que vê.

Quando você faz um livro de arte, você antes de tudo está orientando o outro a ver o belo, a perceber a beleza, a notar o interessante. Você ensina o leitor a ficar mais atento, a não deixar passar.

Naquele ano, eu estava vivendo um momento de muito sucesso comercial, tinha uma boa disponibilidade financeira. Poderia ter feito uma grande viagem pelo mundo. Mas, talvez o desejo de me vingar de todo aquele preconceito que percebi ao longo dos anos fez com que eu investisse pesadamente nessa operação. Resolvi chamar o Pedro Martinelli, um excelente fotógrafo, muito amigo nosso. Fiz alguns passeios com ele pelos roteiros que eu queria registrar e ele, experiente como é, mapeou tudo: horário de luz e de sombra, os melhores ângulos, tudo para saber quando e o que fotografar. E assim foi feito.

Ao mesmo tempo, contratei uma equipe de redação. Solicitei a ajuda do Sr João Louzada, que foi quem construiu a maior parte dessas casas. Além do livro, fiz também um calendário, que ficou muito bonito, e cartões postais.”

A Mooca não é objeto de muitos livros, mas, certamente, o “Casas Paulistanas” é uma das mais, senão a mais bela e significativa abordagem de nosso bairro. Uma mostra virtual do livro pode ser vista no site www.casapaulistana.com.br.

Entrevista concedida em outubro de 2004