NICOLAI, O PAPAI NOEL DA MOOCA

Durante quase três décadas, a Mooca possuía um Papai Noel próprio, coincidentemente chamado Nicolai (Nicolai Gheorgh Cara), uma vez que em muitos locais o Papai Noel é conhecido como São Nicolau.

Sua história é aqui relatada seu filho Jorge Menendes Cara :

Em 1.926 o Brasil, interessado em seu desenvolvimento, tinha suas fronteiras abertas aos estrangeiros que quisessem aqui se radicar. Foi quando Nicolai, ainda um bebê de colo (nascido em 13 de janeiro desse ano), e sua família composta pelo seu pai, Sr. Jorge Kara, a sua mãe Stefanida Kara, a irmã mais velha Sra. Pelágia Kara e um irmão mais velho Sr. Stefan Kara, todos já falecidos, atracaram no porto de Santos e de lá foram levados para o departamento de imigração.

Feita a triagem, foram transferidos para o estado do Paraná para trabalharem em uma fazenda, num município próximo a cidade de Londrina, onde permaneceram por cerca de dois anos, depois se transferindo para o município de Santo André-SP, onde também habitavam alguns parentes romenos. Só após uns quatro anos de Brasil, ou seja, por volta de 1930, fixaram residência no bairro da Mooca, escolha esta porque a Mooca além de estar muito bem localizada e muito próxima ao centro de São Paulo, era também um dos bairros mais prósperos para se viver e trabalhar, com muitas industrias e em desenvolvimento, o que gerava muitos empregos e oportunidades para todos.

Na década de 50, um dos principais comerciantes da Mooca chamava-se Mário Previato, que por muitos anos foi Vice Presidente do C.A. Juventus e proprietário de um dos maiores e melhores magazines instalados no Bairro, a Relojoaria Mário, que ficava na Rua da Mooca quase esquina com a Rua João Antonio de Oliveira (hoje o prédio é ocupado por uma agência do Santander).

Nessa ocasião o Sr. Nicolai trabalhava com o Sr. Hugo Previato que era um dos sócios da Incorporadora e Construtora Incorpal, empresa que construiu a maioria dos prédios da Av. Paes de Barros. O Sr. Hugo era irmão do Sr. Mário Previato que, por volta de 1956, ao pensar numa estratégia de marketing para aumentar suas vendas de Natal idealizou alguém caracterizado como Papai Noel na porta de sua loja para atrair as crianças ao setor de brinquedos. Diga-se de passagem, idéia brilhante e inusitada para a época.

Nicolai recepcionando o Presidente João Batista Figueiredo no aeroporto de Congonhas,
em dezembro de 1980, na qualidade de Papai Noel Oficial da cidade,
a pedido do então governador Paulo Maluf e (na foto inferior)
em cerimônia na Mooca

Estratégia montada, mas cadê o ator? Ninguém se propunha a fazer algo tão diferente para a época. Foi aí que Nicolai, na ocasião um rapaz com 30 anos, que trabalhava pesado para sustentar sua família, mulher e dois filhos pequenos, vendo a possibilidade de aumentar seus vencimentos no final do ano, se colocou a disposição para a missão. A campanha foi um sucesso tão grande que virou um frenesi. A notícia se espalhou pela cidade, atraindo crianças de todos os bairros e cidades, para falar com o Papai Noel da Mooca. Essa promoção se estendeu por muitos anos sendo a idéia copiada por centenas de lojistas.

Nesta fase o Sr. Nicolai, já com 45 anos era um Papai Noel diferenciado, pois, assumindo a personalidade do bom velhinho, propositalmente engordou, deixou cabelos e barbas crescerem passando a descolori-los para que ficassem totalmente brancos, ampliando seu sucesso. Nessa época as crianças já eram mais espertas e um Papai Noel com barbas e cabelos postiços não ia muito longe sem que fosse “desmascarado”, o que não ocorria com o Sr. Nicolaí, com quem as crianças chegavam e já iam logo tratando de puxar sua barba e seu cabelo na tentativa de arrancar, ficando surpreendidas e intrigadas com o fato de perceberem que eram cabelo e barba verdadeiros.

O Papai Noel Nicolai era também a solução para os pais que desejassem fazer com que seus filhos deixassem de utilizar chupetas. Dezenas e dezenas de pais aguardavam a época de Natal para levarem seus filhos entregar a chupeta para o Papai Noel, em troca da promessa de presentes. E Nicolai virou um especialista no assunto adotando uma técnica personalizada de modo a não criar qualquer trauma nas crianças.

Dedicando muita atenção a todas as crianças, iniciava perguntando o seu nome e a idade, contava-lhe que morava na mesma casa do Papai do Céu e que Ele lhe pedia que o ajudasse a cuidar de todas as crianças do mundo e no Natal o mandava vir à Terra conversar com elas e saber o que queriam de presente. Feito o pedido de presente exclamava: “ah! já ia esquecendo” e perguntava-lhe: “você tem obedecido papai e mamãe, cuidado bem de seu irmãozinho, comido a comidinha no almoço e no jantar?”. Como obviamente todas as crianças respondiam positivamente, Papai Noel retrucava: “Papai Noel fica feliz quando as crianças são boazinhas, obedientes ao papai e a mamãe, por outro lado, fica triste se não cumprem o que prometem e não adianta mentir, pois lá do alto onde moro tudo posso ver!”

Quando atendia uma criança acima dos cinco anos de idade,ainda chupando chupeta, com informações passadas previamente pelos próprios pais, a “ladainha” era a mesma, porém com a seguinte seqüência: “Papai Noel também fica triste porque as crianças vão crescendo, ficando grandes e ainda estão chupando chupeta, correndo o risco de terem os seus dentinhos estragados por isso”. Ao longo dos anos, Nicolai contabilizou mais de mil chupetas entregues voluntariamente pelas crianças.

Esse trabalho tinha tanto apoio e era de tal importância que rendeu ao Sr. Nicolai o “Diploma de Papai Noel oficial da Cidade de São Paulo” que lhe foi conferido pela Associação Comercial do Estado de São Paulo.

Em uma segunda fase se deu a metamorfose, entrou de corpo e alma no personagem e passou a ser e a viver um real Papai Noel todos os dias do ano, promovendo arrecadação de doações do tipo: móveis, utensílios, mantimentos e brinquedos, os quais eram consertados por ele mesmo em uma pequena oficina que conseguiu montar no modesto espaço que habitava nas dependências da zeladoria do Condomínio Edifício Yara, situado a Rua Curupacê x Rua Ararigbóia, onde trabalhava na função de zelador do edifício. Tudo o que conseguia era doado a entidades filantrópicas, dentre elas a Casa de David que ficava as margens da Rodovia Fernão Dias próximo a Mairiporã onde as crianças ali convalescentes o adoravam.

Por tratar-se de pessoa bastante conhecida e respeitada no bairro, era também muito bem relacionados com moradores ilustres e influentes da Mooca, como o falecido Presidente do Clube Atlético Juventus o Dr. José Ferreira Pinto Filho o “Zé da Farmácia”, o Sr. Atílio Fuser proprietário da Fábrica de Brinquedos Hércules, Sr. Scandar Thayar dono da Fábrica de Tapetes Bandeirantes, entre outros tantos que o ajudavam em sua peregrinação. Com esse prestígio também conseguia tratamentos médicos, odontológicos, internações, empregos, abastecimento, serviços advocatícios gratuitos etc. para as pessoas necessitadas. Bastava saber de alguém em dificuldade, voluntária e solidariamente o Sr. Nicolai, já então eternizado Papai Noel, colocava-se a disposição para ajudar.

A Mooca teve a presença do Papai Noel Nicolai até o Natal de 1980, pois poucos dias depois, mais precisamente em 31 de janeiro de 1981, Nicolai Gheorgh Cara, foi convocado para prestar serviços no Céu. Nem é necessário dizer que ele foi enterrado vestido a caráter.

* Nossos agradecimentos a Jorge Menendes Cara (o filho do Papai Noel)

Matéria inserida em dez/10