MIRIAM BATUCADA

Dificilmente uma personalidade terá mais a cara da Mooca que Miriam Ângela Lavecchia, a Miriam Batucada, provavelmente a nossa mais legítima representante no meio artístico. O seu modo de falar “mooques” e sua alegria, mesmo que quisesse, não lhe permitiria esconder a sua origem. Mas, antes de falarmos a seu respeito vamos explicar como ela chegou em nosso Bairro.

Como não podia deixar de ser, Miriam era neta de italianos tanto por parte do seu pai como de sua mãe. Seus avós paternos, Carmine Lavecchia e Michelina Pedutti, saíram da Itália, da Província de Salerno, na Costa Amalfitana, vizinha a Nápoles, por volta de 1903 com destino a Buenos Aires, Argentina, onde tiveram três filhos, dentre os quais Emilio, pai de Miriam, nascido em 1907.

De lá, emigraram para o Brasil, em 1909, fixando residência na Rua da Mooca, numa vila quase em frente a Igreja de San Gennaro.

O outro avô, Fioravante Di Nardo, pai de sua mãe, nasceu na província de Abruzzo, em 1885, emigrando para o Brasilem 1900 em companhia de seus pais, indo morar numa chácara na Rua da Mooca, a qual fazia divisa com a linha do trem e a Cia. de Louça.

O “nono” Fioravante foi motorneiro da Ligth e fazia a linha do bonde da Mooca até o Largo do Tesouro, e foi justamente no bonde que conheceu Angelina Bodadies, italiana nascida em Corato, província de Bari, que trabalhava como costureira na Ladeira Porto Geral. E foi nessa chácara que Angelina deu à luz a Maria, mãe de Miriam Batucada.

Desnecessário dizer que Emilio Lavecchia casou-se com Maria Di Nardo e tiveram três filhos : Mirna, Milton e Miriam. A nossa homenageada, nasceu no dia 28 de dezembro de 1946, mas foi registrada pelo seu pai no dia 1º de janeiro de 1947, ganhando assim um ano, como se dizia antigamente. Miriam nasceu e morou na mesma casa até os seus 20 anos, na Rua João Antônio de Oliveira 459.

Sentados :Concheta e Sabino Di Nardo ( bisavos).
Em pé : Irineu Di Nardo, esposa Helena com a filha Dina,
Filomena Di Nardo e esposo Vicenso, Fioravante Di Nardo e Emilia Di Nardo.
Arquivo: Mirna Lavecchia
Sentados : Angelina Bonadies e Fioravante Di Nardo (avós) , Concheta e Sabino Di Nardo ( bisavós).
Em pé, da esquerda p/ a direita : Sábino Di Nardo ( tio), Ricardo Di Nardo (tio),
Amélia Di Nardo ( tia), Maria Di Nardo ( mãe ) e Conchetina Di Nardo (tia)
Arquivo: Mirna Lavecchia

Conforme nos relembra sua irmã Mirna essa casa, já demolida, ficava bem em frente ao portão da entrada do Cia. União. A casa era igual a muitas construções típicas do bairro : duas janelas, entrada lateral sem cobertura e com um simpático portão de ferro com detalhes em arabescos, trabalho artesanal de serralheria; um pé direito bem alto e duas janelinhas com grades em baixo, que tinham a função de servir de respiração para o porão.

A nossa Miriam Lavecchia estudou sempre na Mooca : o jardim de infância na Escola Santa Terezinha, da Dona Rosa, na Rua Javari, o grupo escolar no Oswaldo Cruz e o curso técnico no Brasilux. Depois disso fez um curso de digitadora na IBM e foi trabalhar na Alpargatas e na Arno, onde foi despedida por fazer batucada no teclado….

Como se vê, Miriam sempre foi muito musical. Com apenas 6 anos de idade já tocava harmônica, uma Scandalli de 120 baixos, maior do que ela. Suas aulas eram ministradas pelo professor Olímpio, na rua Iolanda. Quando menina, sabia a letra de uma grande quantidade de músicas e gostava de todos os gêneros musicais.

Aos 14 anos começou a tocar violão. Seu ritmo era fantástico ! E vivia fazendo percussão, no tempo e no ritmo certo, com batidas nos sofás, paredes e móveis.

Pode-se dizer que Miriam começou efetivamente a sua carreira, cantando em festinhas de amigos e nas “peneiras”, tão comuns à época (similar aos atuais concurso de calouros) num clubinho da Cia. União, que ficava do lado da fábrica de meias Ibram, na Rua João Antônio de Oliveira, quase esquina da Rua da Mooca.

Os nonos, Angelina e Fioravante com a Míriam aos 9 anos,
a Mirna com 15 anos e o tio Pedro D’Angiolela
Arquivo: Mirna Lavecchia
Míriam, ( a menor) com os irmãos Mirna e Milton em 1949
Arquivo: Mirna Lavecchia

Mas, a sua marca registrada era a batucada feita nas mãos. Ela contou em uma entrevista na TV Cultura que tudo começou no salão de cabeleireira da Dona Adelina, na rua da Mooca. Lá, ela conheceu uma menina que morava na Rua Almirante Brasil, que tinha o apelido de Chacareira e foi essa menina quem lhe ensinou essa arte. No começo, o ritmo era lento,mas com dedicação e persistência (Miriam treinou durante uns 3 meses) saiu um ritmo frenético, rápido e no compasso de qualquer samba. Criou assim sua marca registrada.

No ano de 1967, quase todas as sextas feiras, Miriam e seus irmãos Milton e Mirna, iam assistir ao programa do Blota Jr. Esse programa tinha o estilo do atual programa do Jô Soares. Nessa época, a Record era a emissora líder, com uma audiência espetacular e o programa era transmitido ao vivo.

Numa dessas noites, Miriam recebeu um convite feito pelo filho do Blota Jr., para que na semana seguinte viesse mais cedo para fazer um ensaio rápido com o Caçulinha. E assim aconteceu.

Sua apresentação durou quase 2 horas. Blota Jr., o publico e os telespectadores acharam fantástica a sua apresentação, com muita originalidade e autenticidade e, de quebra, Miriam ainda tocou todos os instrumentos que se encontravam no palco da Record naquele dia : piano, bateria, harmônica, violão, cuíca, além de batucar na mesa do apresentador e mostrar também a sua batucada nas mãos.

No dia seguinte já era representada pelo famoso empresário Marcos Lázaro, sendo contratada pela TV Record; participou do Programa da Sônia Ribeiro e em seguida ganhou um programa com Ronie Von nas tardes de sábado. E foi durante sua apresentação num programa de televisão que Cidinha Campos a intitulou de Miriam da Batucada. Como o “da” na época não estava na moda, o extraiu e ficou só com o codinome de Miriam Batucada. Mas, com esse nome ela pagou um preço bem alto, pois seu repertório foi canalizado para o samba, quando a sua preferência e suas melhores interpretações eram do estilo romântico, que combinava muito com o seu timbre de voz grave e sensual.

Míriam com 1 ano de idade no colo da sua mãe na casa onde nasceu, na Mooca
Arquivo: Mirna Lavecchia
Miriam com com Raul Seixas, Edy Star e Sérgio Sampaio.
Arquivo: Mirna Lavecchia

Com esse sucesso, passou a ser constantemente requisitada para shows onde conseguia segurar o publico entusiasmado por quase duas horas com diálogos inteligentes, musicas conhecidas e inéditas, criticas com temas políticos e do cotidiano e um resgate dos tempos passados que marcaram gerações. Quando, nos shows, interpretava suas paródias falando sobre política,ela vestia uma mascara de palhaço. Vários desses shows foram apresentados no exterior, em países como Estados Unidos, França, Itália e Portugal.

Todo esse sucesso não foi condizente com o pequeno acervo discográfico pois Miriam, em toda sua carreira, só gravou 5 compactos e dois LPs sendo um deles, intitulado “Sociedade da Grã Ordem Cavernista” em parceria com Raul Seixas, Edy Star e Sérgio Sampaio.

A Mooca para a Miriam era sua segurança, o conhecido, sua formação e sua paixão. Era sua régua e compasso. Ela dizia também, que a Rua João Antônio de Oliveira era a ONU, porque desde criança compartilhou com todos os vizinhos e amigos descendentes de nacionalidades diferentes: Italianos / espanhóis / japoneses / hungareses / portugueses / judeus e turcos (na época não se falava nem sírio, nem árabe, nem libanês : eram todos turcos mesmo), dando-lhe um diversificado conhecimento cultural que influenciava os seus hábitos e comportamento.
Mas Miriam guardava uma mágoa da Mooca, pois dizia que o seu querido bairro não valorizava o seu talento.

A nossa querida Miriam Batucada, lamentavelmente, faleceu precocemente, no dia 2 de julho de 1994, sendo encontrada morta em seu apartamento onde morava sózinha no Bairro de Pinheiros, por sua irmã Mirna, que residia em Maringá, 21 dias após ter sofrido um enfarto fulminante.

A Mooca só a homenageou, após a sua morte, atribuindo o seu nome a uma travessa da Rua Bixira – Travessa Miriam Batucada. Mas, ela merecia muito mais do que isso.Merecia, no mínimo, ser nome de Avenida.

Miriam vestia uma mascara de palhaço quando
interpretava suas paródias falando sobre política
Arquivo: Mirna Lavecchia
A irreverente Miriam Batucada
Arquivo: Mirna Lavecchia

* Nossos agradecimentos a Mirna Lavecchia pelo fornecimento das informações, vídeo e fotos e a Gil Melo do Foto Imperial pela confecção do vídeo clipe