Nossa família é aquela chamada quarto centenária paulistana, família de professores. Castilho Amaral é o sobrenome por parte de mãe. Ela contava que eram em 17 irmãos, mas com o tempo as fotos contavam com apenas oito: Joaquim, João Miguel, Nelson, Olavo e as mulheres Noemia, Cida, Benedita e Roquellina. Aos três anos, mudamos para o bairro da Mooca, onde vivi por 17 anos. Nossa casa na rua Cassandoca, travessa da Taquari, ficava em meio a outras casas e diversas fábricas de tecelagem, pastifícios, metalúrgicas e indústria Matarazzo. Eu tinha bronquite e o passeio de toda semana era ir ao gasômetro, pois diziam que aquele cheiro de gás fazia muito bem aos problemas respiratórios.

As casas eram térreas, com terrenos compridos que tinham quintais de cimento e terra, e quase todas tinham porões. Na parte de terra dos quintais haviam árvores frutíferas, hortas e galinhas. Os porões tinham muitas histórias; além de moradia, tinham espaço para brincadeiras e a parte sombria, parte irregular na altura do porão, desabitada, que para nós era bastante assustadora

Na continuação da nossa rua estava o antigo hipódromo que virou o lindo parque da Mooca. Ali frequentei o parquinho — assim era chamada a creche. Com nossos uniformes de calção vermelho, conguinha branco, camisa branca, boné e mochila de tecido vermelho. Tenho boas lembranças, principalmente da hora do lanche. Canecas para cima para tomar leite com café, canequinhas viradas para baixo para quem fosse esperar o Toddy gelado, meu preferido. O lanchinho era quase sempre pão com manteiga, pão com goiabada e pão com banana.

Minha mãe ficou viúva quando eu fiz um ano de idade, então logo começou a trabalhar, nada muito comum naqueles anos 1960. Era maravilhoso quando ela deixava um pão doce para o meu lanche, deixado quando passava em frente ao parque a caminho do trabalho. Era uma surpresa deliciosa.

O parque da Mooca fez parte da minha vida, ali frequentei a escola modelo primária Dr .Fabio da Silva Prado. Era a única escola que cada sala de aula tinha um espaço individual de recreio. Os alunos não compartilhavam o recreio comum, que era reservado aos mais velhos. Era lindo porque ao redor das salas tinha o bosque. Antes de entrarmos na escola, em seu pátio externo de entrada era estendida a bandeira e todos cantávamos o hino nacional.

Foi no parque da Mooca que aprendi a nadar. Tinha uma enorme piscina, com uma boa parte rasa e outra funda, além do espaço com trampolim. A piscina era dividida com uma faixa azul, pois havia o lado feminino e o lado masculino, não podiam se misturar. O vestiário era bastante controlado; nada de biquíni; chuveirada antes de acessar a piscina; e os dedos dos pés eram vistoriados e rigorosamente examinados; todos tinham que abrir os dedos para não esconder nenhuma micose. A incumbência de levar-me à piscina ficava a cargo dos meus irmãos mais velhos, Luis, cinco anos mais velho que eu, e Carlos, cinco anos mais velho que o Luis. E como fazer para tomar conta da irmãzinha sem poder se misturar? Ficávamos lado a lado na faixa separadora. Aprendi a nadar rápido , pois meus irmãos paqueravam as meninas e pediam para elas me ensinarem a nadar e tomar conta de mim.

Não lembro de bondes, já estavam no fim de circulação. Nossos passeios eram as visitas aos parentes e eles visitarem nossa casa, era a farra dos primos. Não havia tédio, principalmente na Mooca, em meio a tantos imigrantes italianos, portugueses e tantas outras pessoas maravilhosas que se ajudavam mutuamente tornando a vida mais tranquila e segura.

Muitas pessoas gostariam de viver em lugares mais tranquilos, mas confesso que ao retornar de qualquer viagem, sempre digo que adoro esta São Paulo, esse agito, esse movimento que dificilmente você se sente sozinha. Pode passear na Paulista, tem lindos parques, museus, teatros, lojas, igrejas e tudo de montão. Acho o máximo. Aqui tem de tudo, pessoas gentis e educadas que prezam a limpeza, a urbanidade e digo que os paulistanos são generosos.

Como paulistana parabenizo minha cidade e convido a todos a amá-la muito mais, preservando e participando de sua zeladoria.

Por Marlene Ayres Bicudo

(texto publicado em https://miltonjung.com.br/2019/06/01/conte-sua-historia-de-sao-paulo-o-pao-doce-do-meu-lanche-na-mooca/ )