CARACTERÍSTICAS DA MOOCA

Quem imagina a Mooca como um bairro provinciano e macarrônico, cuja principal diversão é, nos sábados à noite, comer pizza regada a vinho nas dezenas de pizzarias ali existentes, conforme muitas vezes já ironizaram as inúmeras novelas e programas humorísticos da televisão, não está muito errado.

Este bairro possui características muito próprias que o distingue de todos os demais bairros de São Paulo. Uma dessas características é a forma de falar de seus moradores: a Mooca possui um sotaque próprio, inconfundível. Mesmo quem não é originário de lá, mas que ali vive já há algum tempo, adquire esse sotaque, esse jeito de falar com as mãos.

Mesmo sem ser um bairro do qual se poderia orgulhar pelo status social, o mooquense tem orgulho em dizer que é morador da Mooca. É comum ver pessoas com inscrições em camisetas ou adesivos em carro, manifestando sua paixão pelo bairro.

A Mooca é mais ainda: é um estado de espírito. Esse estado de espírito que só os mooquenses natos conseguem entender, mas não explicar, vem da época em que ali havia tempo e espaço para as longas conversas nos portões. Quem nasce na Mooca, dificilmente transfere-se para outro bairro e se o faz está sempre de volta às suas origens.

Apesar de sua história se confundir com a da própria cidade de São Paulo (ou vice-versa?), não existem muitas referências a respeito da história da Mooca, um dos mais tradicionais e antigos bairros desta cidade. Mas, mesmo nas poucas referências encontradas, muitos fatos e detalhes interessantes e importantes são dignos de serem relatados.

Pelo que se sabe, o dia 17 de agosto de 1556 é o marco do surgimento da Mooca.

A FUNDAÇÃO

Pelo que se sabe, o dia 17 de agosto de 1556 é o marco do surgimento da Mooca. Nesse tempo, ou seja, apenas 56 anos após o descobrimento do Brasil, estas terras eram habitadas por índios, que se concentravam perto de um extenso rio – Tameateí ou Tometeri, hoje Tamanduateí – e se espalhavam pela região adentro, que era rodeada por muitos riachos.

Já no livro “A Igreja na História de São Paulo” a primeira referência ao bairro data de 1605, quando o local ainda era conhecido como Arraial de Nicolau Barreto, onde Brás Cubas construiu a capela de Santo Antônio, mais tarde transferida para a praça Patriarca.

Essa versão é injustificável, pois, como já visto, a região, de seca, não tinha nada.Visto que era cercada, além do rio Tamanduateí, pelo riacho do Ipiranga, rio Tatuapé, riacho da Mooca, Aricanduva e vários outros.

Ainda hoje, muitos nomes de ruas do bairro têm sua origem em palavras indígenas: Javari, Taquari, Cassandoca, Itaqueri, Arariboia, Guaimbé, Tabajaras, Camé, Juatindiba e outras.Aliás, além do indígena, outro elemento foi importante na origem do bairro da Mooca: o rio.

No início, esta região fazia parte das terras de João Ramalho, que nem chegara a tomar posse e, segundo conta a história, teria ajudado na catequisação e colonização dos índios.

Em 1567, Brás Cubas recebe oficialmente do Capitão Mor Jorge Ferreira a função de desbravar essas terras e fundar o Belém, Tatuapé e a Penha.

Na região leste, logo se tomou conhecimento da tribo Guaianases, do tronco tupi-guarani, que dominava o local.
Para aqui se chegar saía-se da Freguesia Eclesiástica da Sé, descia-se a rua do Carmo, atingia-se a rua Tabatinguera até atingir uma ponte de madeira denominada Tabatinguera ou Ipiranga chegando-se a uma trilha que se estendia até a Penha

Segundo os historiadores, a região leste de São Paulo, onde se situa o bairro da Mooca, deve ter sido o local da maior concentração de índios de São Paulo e até do Brasil.O elemento indígena foi tão forte por aqui, que deixou sua lembrança até no nome do bairro: Mooca.

Acredita-se que esta palavra indígena tenha surgido no século XVI, quando os primeiros habitantes brancos começaram a construir suas casas. Os índios, curiosos com a novidade exclamavam “moo-oca” (moo = faz , oca = casa) . Uma outra versão diz respeito a mesma expressão, mas relacionada ao fato de os jesuítas mandarem barro para seus colegas da região leste e estes ensinavam os índios a fazer casa, ou como já vimos, “moo-oca”.Outra hipótese a respeito da origem do nome Mooca, também se relaciona a uma outra expressão indígena, muito parecida com a outra versão: ”moo-oka” = ares secos, enxutos.

Essa trilha feita pelos pés dos caminhantes – brancos e índios, animais e rodas dos carros-de-boi – se transformou no que é hoje a rua da Mooca.

O tempo se passou. Nos fins do império, durante a primitiva República, a região possuía enormes casas, rodeadas por belas chácaras.

Em 10 de agosto de 1867, a Câmara Municipal de São Paulo, então chamada de Câmara Régia, começou a doar terras para a formação de um povoado. Em 1869 já se notava muitas casas pequenas e pobres e, assim, o povoado foi crescendo.

O Jóquei Clube da Mooca

Poucos anos depois, ou seja, em 1876, um fato importante marcou a história do bairro: Rafael Paes de Barros, senhor de muitas terras na região, que se estendiam até a Vila Prudente e Vila Alpina, criava o Clube Paulista de Corridas de Cavalo, atual Jockey Club, cujas arquibancadas comportavam 1200 pessoas, no sopé das chamadas colinas da Mooca, no mesmo local onde hoje está instalada a Administração Regional da Mooca.

Em conseqüência disto, um ano depois, para atender aos apaixonados por turfe, se criou a linha de bonde Mooca-Centro, movida a tração animal.

Estava formado um envolvente centro de lazer, logo freqüentado pela alta sociedade do café, que vinha do Centro para apostar grandes somas nas corridas de cavalo, inclusive onde a Marquesa de Santos, já envelhecida, era uma das animadoras das corridas.Vale ressaltar que a Mooca foi escolhida para a localização do Turfe de São Paulo porque aqui era um ambiente de alta categoria, considerado um bairro excelente para se morar. O “Prado” permaneceu no local por 64 anos.

A Mooca já era, então, um bairro valorizado.Juntamente com os largos São Francisco e São Bento, constituía ponto de passagem de carros, puxados por animais.

Na época, este meio de transporte era uma inovação e logo São Paulo começaria a se transformar com a chegada da estrada de ferro Inglesa, com um ramal se estendendo pela rua dos Trilhos até o Hipódromo.

Um nova civilização surgia com os primeiros italianos chegando a São Paulo para construir a civilização do café. Em pouco tempo estava firmada a Sociedade Italiana da Mooca. E mais imigrantes aqui vieram se instalar: espanhóis, portugueses e na década de 30 os hungareses, como eram chamados os imigrantes da Europa Central e Ocidental.

O bairro foi aos poucos se formando; o local que era cheio de chácaras e sítios logo passou a ser ocupado por fábricas e usinas, além de casas de moradias para seus operários. Assim é que entre 1883 e 1890 instalaram-se algumas fabricas de massa como Carolina Gallo, Rosália Médio, Romanelli e outras.
Em 1891, o casal Antônio e Helena Zerrener fundaram a Cia. Antarctica Paulista .

Vale ressaltar, também, que a Mooca teve uma grande importância na economia de São Paulo, com a indústria têxtil assim como de outros setores.

A pioneira foi a Indústria Rodolpho Crespi, depois vieram muitas outras: Armazéns Matarazzo, Grandes Moinhos Gamba, Casa Vanordim, Tecelagem Três Irmãos, Andrauss Cia Paulista de Louças Esmaltadas, Fabrica de Tecidos Labor, Frigorífico Anglo, Máquinas Piratininga, Aluminios Fulgor, Cia União dos Refinadores, etc. Com isso a Mooca passou a ser considerada um bairro fabril. Hoje muito poucas indústrias ainda se encontram em seu território.

Mas não só de trabalho viviam os moradores do bairro. Em 1923 foram inaugurados o Cine Teatro Moderno, o Cine Santo Antônio, em seguida o Cine Aliança, o Imperial, o Icaraí (mais tarde Ouro Verde) e o Patriarca.

Outro lazer, aliás, prazer dos mooquenses, era o “footing”, realizado aos sábados e domingos, entre a rua João Antônio de Oliveira e avenida Paes de Barros, onde as moçoilas desfilavam aos grupos, enquanto os rapazes sem namoradas ficavam apreciando e esperando por algum olhar convidativo.Com essa farta oferta de lazer e com um significativo número de boas lojas, o mooquense dificilmente saia do bairro.

A Revolução de 1924

Decorria o ano de 1924. Oficiais do exército contrários ao governo do então Presidente da República, o mineiro Arthur Bernardes, deflagaram um movimento nacional que, em São Paulo, resultou na derrubada do então presidente do Estado, Carlos de Campos. O Governo Federal reagiu e acabou massacrando a população da cidade.

A revolta demorou 23 dias e deixou como saldo 503 mortos e 4846 feridos, em sua grande maioria civis.
Preocupados com a amarga e, então, recente experiência de Canudos, vila sertaneja que resistira de casebre em casebre a investida do exército, os oficiais estavam convencidos de que só pelo arrasamento inicial de grande parte da cidade, com a ação conjunta de aviões e artilharia, seguida do ataque às trincheiras pelos carros de assalto, completado pela baioneta, na luta corpo a corpo, seria possível esmagar o levante paulista.

Os bairros da Mooca, Belenzinho e Braz foram os primeiros a sofrer as conseqüências cruéis desse plano. Em desespero, os moradores começaram a abandonar suas casas. As famílias mais abastadas procuravam sair da cidade, com destino a Santos, Jundiaí, Campinas e outras cidades. Muitos, não tendo onde se abrigar, acampavam ao ar livre, armando barracas improvisadas em locais ermos dos bairros.Desta forma, o dia 13 de julho desse ano foi particularmente dramático para os paulistanos, especialmente para os moradores da zona leste.

Os bairros da Mooca, Braz e Belenzinho foram atingidos por um canhoneiro tão pesado que as ruas ficaram repletas de cadáveres. Os coveiros não davam conta de cavar sepulturas para enterrar todos os mortos, o que levou muitas famílias a enterrar os mortos nos quintais de suas casas.

Em 23 de julho, nova tragédia. Dois aviões carregados com bombas começaram a sobrevoar a cidade a elevada altitude, para evitar a artilharia dos rebeldes e atacaram a Mooca. A terra tremeu com as explosões, casas desabaram, muita gente morreu.

E logo se percebeu porque este bairro fora escolhido: não encontrando muitos civis dispostos a se engajar na luta, os militares rebelados procuraram imigrantes italianos, húngaros e alemães, todos muito pobres, e lhes ofereceram 30 mil réis e a promessa de 50 hectares de terra. Muitos não resistiram a mirabolante proposta e se alistaram. Como a Mooca era reduto de trabalhadores italianos, acabou castigada.

A Mooca Pós – Revolução

Estamos em 1925. A avenida Paes de Barros, a rua da Mooca, a rua do Oratório e todas as suas transversais ainda não possuíam calçamento. A primeira rua urbanizada foi a Conselheiro João Alfredo.
Apesar de já existirem carros a motor, ainda eram muitos os veículos a tração animal.

O próprio corpo de bombeiros e os carros de segurança da Light moviam-se a tração animal.Mas, logo o bairro da Mooca recebeu um prêmio: foi o segundo bairro a ganhar o bonde “camarão”. Neste período, o avanço do transporte facilitou a formação do Clube Crespi, do qual de originou o Clube Atlético Juventus.

Na década de 30, São Paulo passou a ter um crescimento maior e os bairros continuavam a acompanhar este ritmo. Nessa década, a iluminação pública foi trocada pela eletricidade, os últimos lampiões da Mooca estavam na subida da rua da Mooca, na esquina da Marques de Valença e em direção ao Parque da Mooca. Na década seguinte a Mooca era considerado um bairro de elite, passando a Avenida Paes de Barros a receber famílias abastadas que construíam suntuosas mansões, algumas delas ainda hoje encontradas.

A Mooca de Hoje

Seguindo, todavia, tendência existente para as grandes avenidas de São Paulo, a maioria dessas mansões cedeu espaço para modernos edifícios, alguns deles sofisticados, ou transformadas em estabelecimentos bancários e comerciais.Uma nova Mooca, porém, se ergueu nos últimos anos, nas cercanias do clube social do Juventus, com a construção de residências de alto padrão.

Segundo especialistas do setor imobiliário, a Mooca vem passando por um processo de transformação imobiliária. As fábricas e indústrias de outrora cederam e continuam cedendo espaços para novos e diversificados empreendimentos imobiliários.

Assim, demonstrando toda essa característica contrastante, pode-se encontrar ainda hoje muitos casarões antigos, com suas fachadas em vários estilos, construídas pelos “maestri”(os mestres construtores), adornadas de guirlandas e baixos relevos, objeto de admiração e estudo de novos e surpresos arquitetos, ao lado de modernas residências, assim como de estreitas ruas, típicas de velhas cidades da Europa, ao lado de largas avenidas.

Segundo pesquisa do “Jornal da Tarde” : “com seus 7 quilômetros quadrados de área, e uma população de mais de 63.000 habitantes, é o bairro mais com a cara de São Paulo, sendo que as suas características correspondem exatamente à média da cidade”.
A Mooca atual é um bairro completo e autônomo, que conserva suas características residenciais e familiares, sem abdicar de uma infra-estrutura moderna. É quase que como uma cidade do interior dentro da cidade grande.
Os tempos românticos, dos bondes e dos “footings” já se foram, mas a Mooca continua e continuará sendo sempre a mesma: um lugar alegre, acolhedor e apaixonante.